O menino do pé sujo
Ao nascer, era um menino perfeito. Afora uma passageira feiúra de recém-nascido, escutava, chorava, tinha os membros nos lugares certos. Nos inferiores, um joelhinho redondo e pra fora e cinco dedinhos no pé sujo. O pé direito, sempre sujo, não importassem os banhos e esfregões de lixa. Ainda bebê, sua mãe dispensara os sapatinhos de crochê, pois não calçaria um único pé do menino, o limpo. Ou o sujo, dependendo do chão que ele haveria de pisar. Seus passinhos foram crescendo sujos e deixando pegadinhas imundas. Duas, pois o pé esquerdo foi se sujando. Não era, para o pé esquerdo, um destino inevitável, mas uma adequação às circunstâncias de quando se tem o outro par sujo. O menino nunca teve sapatos porque eles duravam não mais que dois dias em seus pés. Apodreciam até aos cadarços quando ele os calçava. Descalço, ia para a escola, onde seus colegas, com pés chatos, de papagaio ou grandes demais, tinham sapatos, ainda que muitos furados ou trocados o pé direito pelo esquerdo. Entrava cabisbaixo na sala de aula e logo via os pés dos outros meninos calçados com sapatos limpos e meias brancas. Estas, o menino do pé sujo só usara nas mãos quando brincava de fantoches. Evitava jogar bola com os outros meninos desde o dia em que pisou em um caco de vidro que lhe custou uma infecção quase fatal. Muitas vezes ao chegar da escola, corria para o banheiro para lavar os pés sujos. Custava um dia inteiro esfregar os pés com buchas até que elas rasgassem e extrair apenas instantes de imundice diante de alguns poucos anos de sujeira acumulada. Inventivo, um dia pegou o ácido que sua mãe usava para lavar o piso do quintal e decidiu limpar de vez os pés sujos. E então, onde estava sujo continuou sujo e onde não havia sujeira, ardeu por três dias
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home